Uma investigação fenomenológica em curso sobre a imagem em movimento

(ensaio escrito pela curadora Reilly Davidson para a projeção FOUR QUARTETS no Field Projects [Nova Iorque], 17 de Nov., 2022)


AnaMary Bilbao tem construído as suas ficções visuais a partir de imagens de arquivo, num esforço para desafiar os limites de uma Verdade única. Ao abstrair o conteúdo das origens, a artista rearticula o contexto. Tal deslocamento gera um novo ponto de vista ao espetador que lê estas imagens em movimento, bem como as suas inscrições de tempo e lugar.

Os submarinos e a vida no fundo do mar suscitaram, no último ano, um interesse específico na pesquisa de Bilbao, considerando como base propícia ao aprofundamento a natureza confidencial destes e as estruturas de controlo envoltas. Alguns dos seus vídeos recentes, como Words Don't Come Easy (Hope That You Believe It's True) (2022) ou Dance of Light (2022), apresentam excertos de filmes de arquivo que datam maioritariamente da década de 1950. Entre as temáticas destes registos destaca-se, por exemplo, uma que se desenvolve em torno do estudo sobre as profundezas do oceano, e outra que serve de guia para a gestão das embarcações marítimas levadas a cabo por operações governamentais, as quais estão muitas vezes envoltas em secretismo.

Words Don't Come Easy (Hope That You Believe It's True) tem um título apropriado, uma vez que o vídeo apresenta a atuação de F. R. David na canção “Words”, que a artista editada de modo a que a letra “words don't come easy” se repita inúmeras vezes. A tensão linguística é aqui ampliada pela quantidade de letras que passam pelo ecrã, evidentemente sem lógica aparente, uma vez que, para além da sua congruência estética, não existe uma ligação clara entre elas. Não obstante, este conteúdo foi retirado de um filme de arquivo que descreve as táticas de controlo e defesa contra submarinos, satirizando o secretismo muitas vezes falhado destas operações.

Outro bom exemplo é Dance of Light, que ilustra a ambiguidade das origens ensombradas pela procura de compreensão. Este vídeo é uma montagem do que parece ser a vida aquática microscópica que se transfigura no seu novo contexto. As imagens em movimento transformam-se em fogo de artifício e em fios de seda que flutuam no ecrã. Nas palavras de Bilbao, “a abstração da origem pode dar origem a alternativas para o futuro, uma vez que implica a libertação do significado”. Estas finitudes esbatidas quebram as fronteiras, pesando a infraestrutura do tempo humano contra um tempo não linear. Crucialmente, a luz e a água já estão inscritas na sustentação do tempo; a mudança do sol e da maré. O facto de Bilbao colocar estes dois conceitos na vanguarda da sua prática centrada no tempo é um passo bem pensado.

Bilbao redobra o desejo demasiado humano de dar sentido ao mundo. As “lógicas estabelecidas”, no entanto, são apenas aproximações, uma vez que a questão de como o mundo surgiu continua por resolver. Bilbao concentra-se apenas num aspeto dessa construção de sentido, a fim de reduzir um gigantesco ponto de interrogação a uma escala mais manejável. A compreensão temporal é fraturada pela sua reabilitação de found footage. E o desejo de colmatar o fosso entre as tecnologias analógicas e digitais é também uma pulsação consistente na sua prática, que utiliza formas arcaicas num contexto contemporâneo. Os seus rituais emergem sem princípio nem fim, enquanto a artista participa numa investigação fenomenológica contínua da imagem em movimento.


Reilly Davidson, Novembro de 2022 (*)


 (*) Reilly Davidson é uma escritora e curadora que vive em Nova Iorque. É também sócia-diretora da Shoot the Lobster.
© 2024 AnaMary Bilbao – Todos os Direitos Reservados