O ANTES NO AGORA

(ensaio escrito para a exposição individual Presente passado que teve lugar na Galeria da Boavista)





A memória tem tanto de passado como de presente. É um modo de consciência do tempo que produz significados voluntaria e involuntariamente (como nos diz Proust), pela ocupação desse lugar intersticial do antes no agora. Tanto decorre de um esforço predisposto à recuperação de algo (que se julga) perdido, como da aceitação passiva da recordação enquanto novo passado.


É esta memória, subjectiva e dinâmica, que constitui o campo de intervenção de AnaMary Bilbao. A sua prática é sempre orientada em função da memória de um gesto anterior, cuja réplica, sempre deficitária no seu esforço mimético, o excede. Os trabalhos apresentados agora na Galeria da Boavista, a sua primeira exposição individual, exploram aquilo que a artista designa como “movimento de retorno”: a forma como a (re)intervenção numa superfície já plasticamente trabalhada permite discutir e reproduzir o sistema mnemónico. Através da repetição exaustiva dos mesmos procedimentos plásticos, é encontrado um equivalente visual do rácio entre recordação e esquecimento.


As diferentes obras aqui apresentadas, pertencentes à série Presente Passado (homónima da exposição), atravessaram, quase todas, um mesmo percurso criativo. A uma primeira intervenção sobre o papel (linhas desenha das a grafite ou a lápis de cor), sucede-se outra – a aplicação de uma camada de gesso – que pretende anular a primeira, actuando como uma espécie de obliteração induzida. Num terceiro momento, a artista tenta reproduzir as primeiras linhas (apenas as que continuam visíveis) pela rasura do gesso. Esta tentativa é um acto de revisão, de recuperação de uma visão primeira, que não encontra uma conformidade anterior, tal como o passado nunca está em conformidade com o que fazemos dele no presente. Os três momentos que compõem a exposição – o contínuo de desenhos que mostra resultados distintos em procedimentos semelhantes; o tríptico, Sobre/sob a superfície, que convoca a descontinuidade do acto de rememoração; Presente passado I, única obra que faz uso de lápis de cor e pigmentos – concorrem para um entendimento da memória enquanto território de reinvenção do que foi.


O trabalho de execução, a repetição, a insistência que se encontra na obra de AnaMary Bilbao dilui aquilo que há de ilusório numa profilaxia do esquecimento.

 

Ana Cristina Cachola, Dez. 2013

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